A fim de alçarmos a visão bíblica dos dois reinos promulgados por Jesus aqui
na terra, devemos dar algumas voltas atrás nos ponteiros do nosso relógio do
tempo. Milênios atrás da pré-história do homem, o domínio da Divindade era único,
tendo como súditos as hostes angelicais, criadas para o Seu serviço (Cl 1.16). A
catastrófica rebelião celestial aconteceu (Ez 28.13-19), e esse domínio foi
dividido, consequentemente, em dois: Reino das Trevas,
capitaneado por Satanás e o terço dos seres angelicais decaídos que o
acompanharam, e Reino da Luz, liderado por Deus e os anjos
eleitos que permaneceram fiéis à Trindade. (Cl 2.12-13). Sempre foi desejo de
Deus em guiar e proteger o ser humano à vândalo sobre a terra: "E ouviram a
voz do SENHOR Deus, que passeava no jardim pela viração do dia; e esconderam-se
Adão e sua mulher da presença do SENHOR Deus, entre as árvores do jardim. E
chamou o SENHOR Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás?" Mais tarde, depois
que o povo de Deus foi liberto da tirania Egípcia, a Monarquia Hebrea foi
instituída a duros golpes. Entretanto, e com muito pesar, a Teocracia tão
almejada (1 Sm 10.17-19), não sucedeu, e as dez tribos foram levadas cativas à
Síria, e as outras duas à Babilônia. Mas Deus é soberano e misericordioso, e na
abrangência e tutela do Reino da Luz, Ele engendrou o grande projeto salvífico
para o ser humano, orquestrado através da instalação do Reino de Deus
e Reino dos Céus. Este para albergar o plano salvífico coletivo
e político de uma nação a ser eleita; e aquele, para alcançar a toda humanidade
com a salvação individual e espiritual – vida eterna, prometida a Adão no Éden (Gn
3.21). Portanto, o Reino de Deus e o Reino dos Céus são diferentes na sua
dispensação, natureza e propósito; mas são equivalentes na sua procedência — dos
céus, e de Deus! Eles não são sinônimos, e jamais, teologicamente, poderão ser
intercambiáveis, pois não pode haver permuta entre o material e
o espiritual; entre o temporal e o perene! O Reino de Deus está
entre nós, e somente os valentes da fé e nascidos de novo pela Palavra e pelo
Espírito, o podem conquistar. O Reino dos Céus, conhecido biblicamente como
“um reino que não tem fim”, um reino liderado pelo Messias, pois Ele mesmo
“julgará com justiça aos pobres, e repreenderá com equidade aos mansos da
terra; e ferirá a terra com a vara de sua boca... e a justiça será o cinto dos
seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins.” e, na linguagem
apocalíptica, como Milênio. O seu Rei, é Jesus de Nazaré, como bem fraseou
Pilatos na rústica tábua no topo da cruz – “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.”
Nesta dispensação oferecida amorosamente por Deus, à Israel e aos homens em
geral, Jesus Cristo foi designado pelo Pai como o Rei do perene e do temporal (Sl
66.4). Sua Monarquia Teocrática é projetada nesses Reinos por nascimento,
herança e conquista. A nenhuma outra pessoa este título pertence tão
inerentemente como a pessoa de nosso Salvador — “e o Senhor será Rei sobre
toda a terra”: em relação ao universo (Sl 2.6-8); em relação a igreja
militante (Lc 2.11); e em relação ao Reino dos Céus (1 Tm 6.14-16). Estes dois
reinos aparecem nas Escrituras com a divisão clássica entre o temporal
e o perene. Pela Regra da Primeira Menção, da Hermenêutica
Bíblica, o Reino de Deus é apresentado no Evangelho de João 3.5, como um reino
espiritual, eterno e universal. E, na Lei do Contexto, o Reino dos Céus aparece
evidente nos Evangelhos Sinóticos de Lucas 22.18 e Mateus 18.3 como um reino
terrenal, limitado e local. Em algumas citações bíblicas, todavia, a linguagem
hebraísta e histórica inverte a terminologia dos dois reinos. Por conseguinte,
no seu contexto não existe nenhuma margem de dúvidas acerca da sua
dissimilitude. Louvamos a Deus pelo seu grande amor, que nos permitiu, através
da redenção do sangue de Cristo, adentrarmos no Reino de Deus;
e, por sua graça infinda, sermos encontrados nos valados e caminhos deste mundo,
e convidados a sentarmos à mesa da Grande Ceia do Reino do Céus
— Milênio: "E digo-vos que, desde agora, não beberei deste
fruto da vide, até aquele dia em que o beba novo convosco no reino de meu Pai."
(Mt 26.29)
Transfiguração fala do evento ocorrido com Jesus, quando seu rosto resplandeceu como o sol, e suas vestes se tornaram brancas como a luz (Mt 17.2). A palavra transfigurar do vocábulo grego metamorphoo, da qual a palavra metamorfose deriva, significa mudança de aparência ou forma, mas não de essência. Jesus se fez acompanhar dos discípulos Pedro, João e Tiago à um monte, onde o Senhor revelou sua glória, ladeado de dois personagens do Antigo Testamento: Moisés, representando a Lei, e Elias, representando os profetas. O Apóstolo Mateus ao escrever seu evangelho aos judeus, detalha que durante a transfiguração “uma nuvem luminosa os cobriu” (Mt 17.5), evidenciando Jesus como Messias, e a nuvem como a manifestação da presença de Deus, assim como foi com Israel (Ex 14.19,20; 24.15-17; 1 Rs 8.10,11; Ez 1.4; 10.4). A transfiguração de Jesus apontava para sua glorificação, a qual tem seu cunho tipológico e escatológico; mas também para uma poderosa manifestação da natureza do reino, a qual Jesus pretendia estabelecer com a sua morte. Moisés como um tipo pessoal de Jesus havia dito aos filhos de Israel: “O Senhor, teu Deus, te despertará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu: a ele ouvireis” (Dt 18.15). Isso é confirmado pelo próprio Deus quando diz: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo: escutai-o” (Mt 17.5). A presença de Moisés revelava que toda a Lei, rituais e cerimônias apontavam para Jesus. A pessoa de Elias, entretanto, representa todos os profetas do Antigo Testamento, e aparece em um contexto escatológico. O texto de Malaquias 4.5,6 apresenta Elias como o precursor do Messias. O Novo Testamento aplica a João Batista o cumprimento dessa Escritura, o qual veio para preparar o caminho do Senhor, e o coração do povo para recebê-lo (Lc 1.17). Jesus confirma essa verdade quando diz: “A lei e os profetas duraram até João; desde então é anunciado o reino de Deus, e todo o homem emprega força para entrar nele” (Lc 16.16). A transfiguração de Jesus deu-se em um monte alto, segundo as Escrituras (Mt 17.1). Alguns advogam ter sido no Monte Tabor, que está localizado no vale de Jezreel, ao sudoeste do Lago da Galiléia, onde foi o palco da grande vitória do povo de Deus contra Sísera, pela palavra de Débora (Jz 4-5). Outros, entretanto, apontam para o Monte Hermon, que está a 80 km ao norte do Mar da Galiléia. Antes e após a transfiguração, uma série de eventos aconteceu nas redondezas da cidade de Cesaréia de Filipos, ou Panias, que está localizada na região da tribo de Dã e onde se encontra a nascente do Rio Jordão. Panias era o local de veneração do deus Pan e do imperador Augusto, e foi neste mesmo local que Pedro declara: “Tu és o Cristo [Messias], o filho do Deus vivo” (Lc 9.20). Jesus revela aos discípulos sobre o seu padecimento e morte, e que era necessário ir à Jerusalém (Lc 9.22). Após uma semana ocorre à transfiguração, ao descer do monte Jesus cura um menino endemoniado, e logo após marcha para Jerusalém, onde ele sabe que terá que tomar o cálice no Getsêmani, e levar a cruz até ao Gólgota (Lc 9.41,51). Mesmo não podendo identificar o local preciso da transfiguração de Jesus, é sempre importante lembrar que o evento prescede ao local, e que a verdade teológica está acima da exatidão geográfica.